artigo | 24/11/ 2022

novembro, 2022

O ADICIONAL DA CONTRIBUIÇÃO DO GIIL-RAT E A APLICAÇÃO DA TESE FIXADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO TEMA DE REPERCUSSÃO GERAL nº 555

 

Prevista no artigo 22, inciso II, da Lei nº 8.212/1991, a contribuição social de natureza previdenciária denominada Grau de Incidência de Incapacidade Laborativa decorrente dos Riscos Ambientais do Trabalho (GIIL-RAT), incidente sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos, tem as seguintes alíquotas originárias:

1.       1% para as empresas em cuja atividade preponderante o risco de acidentes do trabalho seja considerado leve;
1.       2% para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado médio;
1.       c) 3% para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado grave.

A contribuição do GIIL-RAT tem as alíquotas acrescidas em 12%, 9% ou 6%, , se a atividade exercida pelo segurado empregado a serviço da empresa ensejar a concessão de aposentadoria especial após 15, 20 ou 25 anos de contribuição, respectivamente.

Esse adicional tem como objetivo custear a aposentadoria especial prevista nos artigos 57 e 58 da Lei nº 8.213/1991 – do segurado empregado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais, mediante o contato com agentes nocivos químicos, físicos e biológicos, circunstâncias em que haja a associação com agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física.

O recolhimento do adicional ao GIIL-RAT incide exclusivamente sobre a remuneração do empregado exposto ao agente nocivo. A comprovação da efetiva exposição do segurado empregado aos agentes nocivos é feita mediante formulário denominado “Perfil Profissiográfico Previdenciário”, na forma estabelecida pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho, nos termos da legislação trabalhista. 

Provocado a se manifestar sobre a constitucionalidade da legislação que regulamenta tal exação e seus adicionais, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela constitucionalidade do artigo 22, II, da Lei nº 8.212/91, com a redação que lhe foi conferida pela Lei nº 9.732/98 (Recursos Extraordinários 343.446-2 e 365.913), entendendo que tal exação deve também custear o benefício de aposentadoria especial.

O STF, ao julgar o Tema 555 de repercussão geral, decidiu que o uso de equipamentos de proteção individual (EPI), no caso de exposição do empregado e segurado a ruído acima dos limites legais de tolerância (aquele superior a 85 decibéis), ainda que reduza os níveis do agente físico a tal patamar, não descaracteriza a aposentadoria especial.

A partir de tal precedente passou então a surgir controvérsia quanto a obrigatoriedade ao pagamento do adicional à contribuição previdenciária do GIIL-RAT, mesmo diante do fornecimento pelo empregador de Equipamento de Proteção Individual – EPI.

O objetivo deste artigo é analisar o contexto de aplicação do precedente do tema 555 de repercussão geral.

I – Do contexto da tese fixada pelo STF no Tema 555 de repercussão geral e sua aplicabilidade quanto ao agente físico do ruído:

Em 04 de abril de 2014, o Supremo Tribunal Federal julgou em sede de repercussão geral o Recurso Extraordinário com Agravo nº ARE 664335 (Tema 555), vindo a fixar a seguinte tese:

1.       a) O direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial;
1.       b) Na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual – EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria.

O que motivou a análise do Tema 555 pelo STF, foi o acórdão prolatado pela Primeira Turma Recursal da Seção Judiciária do Estado de Santa Catarina com base na Súmula 9 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, que prevê que “o uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI), ainda que elimine a insalubridade, no caso de exposição a ruído, não descaracteriza o tempo de serviço especial prestado.”

Após decisão do STF no Tema 555, foi, aparentemente, imputada à Previdência Social a concessão do benefício da aposentadoria especial aos segurados que comprovarem a exposição ao agente nocivo ruído acima do limite de tolerância de 85 db, ainda que seja informado no Perfil Profissiográfico Previdenciário – PPP, pelo empregador, o fornecimento e uso de equipamentos de proteção individual.

A Receita Federal vem por seu turno lavrando autuações contra empresas tendo como objetivo a exigência do crédito tributário correspondente ao mencionado adicional à alíquota da exação em pauta. Pelo que temos observado, nos procedimentos fiscalizatórios não tem sido levados em consideração dois fatores relevantes, quais sejam:

1.       a) Perícia técnica que atesta que a atividade exercida pelo empregado não ocorre sob condições nocivas, ou seja, exposto ao agente físico ruído acima do limite legal de 85 dB(A);
1.       b) Comprovação do uso do EPI e sua eficácia para minimizar e até mesmo eliminar os efeitos nocivos o agente físico ruído.

O STF não descaracterizou a eficácia do EPI em ambientes com ruídos. Afirmou, por outro lado, que se provada a eficácia de tal proteção, ou seja, se o funcionário não estiver submetido a ruído superior ao limite previsto na legislação – 85 dB(A) – não haveria respaldo para concessão da aposentadoria especial, o que afasta a obrigatoriedade do empregador de pagar o adicional do GIIL-RAT.

O ministro Luiz Fux, relator no tema 555 de repercussão geral, expôs em seu voto que “a concessão de aposentadoria especial dependerá, em todos os casos, de comprovação, pelo segurado, perante o INSS, do tempo de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, exercido em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante o período mínimo de 15, 20 ou 25 anos, dependendo do agente nocivo.”

O ministro Ricardo Lewandowski também esclareceu que “se for comprovado o uso eficaz desse equipamento, então, não se caracteriza o tempo de aposentadoria especial.”

Outro ponto que deve ser observado é o lapso temporal de 11 anos entre o momento atual e as circunstâncias fáticas do caso que ensejou a análise acerca do fornecimento de EPI correspondente ao protetor auricular como inibidor dos efeitos nocivos do agente físico ruído.

Não há como deixar de lado o avanço tecnológico neste intervalo de tempo, capaz de tornar tal equipamento mais potente e eficaz para afastar os efeitos nocivos do ruído, demonstrando-se a necessidade da análise casuística da questão para refletir a modernidade da ferramenta.

Este ponto foi evidenciado pelo STF quando se determinou que a solução dada no Tema 555 – julgado em 2015, seria provisória:

(…) Adequando as duas teses ora firmadas, temos, nesta segunda, solução evidentemente provisória. Se atualmente prevalece o entendimento que não há completa neutralização da nocividade no caso de exposição a ruído acima do limite legal tolerável, no futuro, levando em conta o rápido avanço tecnológico, podem ser desenvolvidos equipamentos, treinamentos e sistemas de fiscalização que garantam a eliminação dos riscos à saúde do trabalhador, de sorte que o benefício da aposentadoria especial não será devido.

A existência dessas inovações tecnológicas enseja, portanto, análise necessária do contexto probatório de cada caso, porque hoje não se pode afirmar categoricamente que o EPI não inibe a exposição do trabalhador ao ruído excessivo. E, afinal, investimentos vultuosos de empresas no fornecimento de medidas eficazes à proteção de seus empregados não podem ser desincentivados pela cobrança generalizada do adicional ao GIIL RAT.

II – O equipamento de proteção individual – EPI como meio de elidir a nocividade e cômputo do tempo de serviço especial:

O equipamento de proteção individual – EPI é definido pela Norma Regulamentadora nº 06 (NR-06) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) como sendo:

“todo dispositivo ou produto, de uso individual utilizado pelo trabalhador, destinado à proteção de riscos suscetíveis de ameaçar a segurança e a saúde no trabalho.”

Tais equipamentos são responsáveis pela proteção e integridade do indivíduo tendo o intuito de minimizar os riscos do ambiente de trabalho e promover saúde, bem-estar e evitar os acidentes e doenças ocupacionais.

Foi pensando nesta capacidade dos equipamentos de proteção individual que o Conselho de Recursos da Previdência Social emanou o enunciado 12 de 2019:

O fornecimento de equipamento de proteção individual (EPI) não descaracteriza a atividade exercida em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, devendo ser considerado todo o ambiente de trabalho.

I – Se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não há direito à aposentadoria especial
II – A utilização de Equipamentos de Proteção Coletiva-EPC e/ou EPI não elide a exposição aos agentes reconhecidamente cancerígenos, a ruído acima dos limites de tolerância, ainda que considerados eficazes;
III – A eficácia do EPI não obsta o reconhecimento de atividade especial exercida antes de 3/12/1998, data de início da vigência da MP 1.729/98, convertida na Lei n. 9.732/98, para qualquer agente nocivo.

Ao ler em conjunto o item I e o item II, é possível concluir que, caso a exposição do empregado seja menor do que o limite de tolerância, tendo em vista a capacidade do EPI de neutralizar a nocividade, não há que se falar em aposentadoria especial.

Na situação do agente físico ruído, o Anexo I da NR-1 determina que para um período laboral de 8 horas é permitido uma exposição de, no máximo, 85 dB.

Comprovado a partir de estudo técnico caso a caso que o EPI fornecido é eficaz para minimizar o ruído e que, consequentemente, no ambiente laboral não há mais efeitos negativos deste agente em níveis superiores aos tolerados legalmente, elimina-se o respaldo fático para a concessão da aposentadoria especial do empregado.

O Ministério da Previdência Social, quando da edição do Parecer CONJUR MPS nº 616/2010 pontuou que “compete ao segurado comprovar, em cada caso concreto, que os agentes nocivos estavam efetivamente presentes no ambiente de trabalho, durante toda sua jornada, devendo constar do laudo técnico informação sobre o grau de eficiência dos EPIs utilizados. Se a prova for incontestável de que os EPIs eliminaram o risco de exposição ao agente nocivo, reduzindo-lhe a intensidade a limites de tolerância, o tempo de contribuição será contado como comum, por força do não atendimento aos §§ 3º e 4º do artigo 57 da Lei nº 8.213, de 1991.”

 

III – A comprovação da eficácia dos EPIs para reconhecimento de tempo especial pelo INSS – questão a ser analisada pelo Superior Tribunal de Justiça no Tema 1090

A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça irá julgar, sob o rito de recursos repetitivos, o Tema 1090 (REsp. 1828606/RS), cujos pontos a serem analisados são os seguintes:

1.       Se, para provar a eficácia ou ineficácia do EPI (Equipamento de Proteção Individual) para a neutralização dos agentes nocivos à saúde e integridade física do trabalhador, para fins de reconhecimento de tempo especial, basta o que consta do PPP (Perfil Profissiográfico Previdenciário), ou se a comprovação pode ser por outros meios probatórios e, nessa última circunstância, se a prova pericial é obrigatória;
1.       Se é possível impor rito judicial instrutório rígido e abstrato para apuração da ineficácia do EPI, como fixado pelo tribunal de origem, ou se o rito deve ser orientado conforme os elementos de cada contexto e os mecanismos processuais disponíveis na legislação adjetiva;
1.       Se a corte regional ampliou o tema delimitado na admissão do IRDR e, se positivo, se é legalmente praticável a ampliação;
1.       Se é cabível fixar de forma vinculativa, em julgamento de casos repetitivos, rol taxativo de situações de ineficácia do EPI e, sendo factível, examinar a viabilidade jurídica de cada hipótese considerada pelo tribunal de origem (enquadramento por categoria profissional, ruído, agentes biológicos, agentes cancerígenos e periculosidade);
1.       Se é admissível inverter, inclusive genericamente, o ônus da prova para que o INSS demonstre ausência de dúvida sobre a eficácia do EPI atestada no PPP.

A discussão originária decorre de acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, nos autos da resolução de demandas repetitivas nº 5054341-77.2016.4.04.0000. Por meio de tal medida, um Segurado pleiteou o reconhecimento de atividade especial em período que esteve exposto a óleo e graxa (hidrocarbonetos) e que foram negados o enquadramento pelo INSS.

O juiz de primeira instância entendeu que o período laborado não pode ser reconhecido como tempo de serviço especial pelo fato de o Segurado ter utilizado o EPI. Ou seja, constando no PPP que o EPI é eficaz, seria prova plena para descaracterizar a exposição ao agente agressivo.

O TRF4 entendeu que não basta a mera indicação de fornecimento do EPI no PPP, sendo necessária a prova técnica da eficácia do EPI.

Com base nessa premissa fixou a tese de que “a mera juntada do PPP referindo a eficácia do EPI não elide o direito do interessado em produzir prova em sentido contrário”.

O INSS defende que a tese adotada no IRDR não deveria interferir no poder do juiz de valorar a prova dos autos, por violação ao artigo 371 do Código de Processo Civil, sendo que o documento particular admitido como prova é indivisível. Ou seja, “que a eficácia probante do PPP não poderia ser cindida e considerada apenas na parte que favorece ao segurado, de modo que o ônus da prova incumbe ao autor quanto ao fato constitutivo do direito, isto é, que compete ao autor provar que há exposição ao agente nocivo efetivamente.”

A expectativa é que, vindo o STJ a concluir pela necessidade de produção de prova pericial em cada caso concreto, a fim de provar a eficácia do EPI para eliminação e/ou neutralização do agente nocivo, tal posicionamento poderá ser fator de descaracterização da aposentadoria especial e do consequente pagamento do adicional ao GIIL RAT.

 

UBS – UNGARETTI, BASTOS, SCHNITZLEIN ADVOGADOS

Renato Sodero Ungaretti, sócio da área tributária do escritório Ungaretti, Bastos, Schnitzlein, Advogados | ungaretti@ubs.adv.br

Maria Madalena Santana Pereira, advogada associada da área tributária do escritório Ungaretti, Bastos, Schnitzlein, Advogados  | msp@ubs.adv.br